sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A engrenagem do tempo - O Calendário Maia

Os Maias, povo ameríndio cuja expansão cultural atingiu o seu apogeu entre cerca de 250 e 900 d.C., criaram um intrincado sistema de calendarização que tem vindo a causar celeuma desde o início do século XX, devido sobretudo à interpretação aziaga que lhe é erradamente atribuída.


Os Maias, bem como outros povos seus conterrâneos, serviam-se da observação do Sol e da Lua, bem como das posições do planeta Vénus, da constelação das Plêiades, à qual chamavam “olho da serpente”, e das Híades (constelação de Touro). Não é de todo fácil explicar por meras palavras o modo de funcionamento deste calendário, sendo que também este facto constitui, por si só, uma parte importante do mesmo, como mais à frente compreenderão. A interpretação e manutenção do calendário estava a cargo da classe sacerdotal e obedecia a um sistema algo complexo que passo a expor:

Imaginemos, para o efeito, um sistema de três rodas móveis concêntricas ou uma engrenagem composta por três rodas dentadas, como rotores de cifra ou de um mecanismo de um relógio, que constituam os três sistemas de calendarização que os Maias utilizavam em simultâneo: o Tzolkin – calendário religioso com fins divinatórios, usado para baptizar crianças e decidir quais os dias favoráveis aos confrontos bélicos e às cerimónias; o Haab – calendário agrícola; e o calendário de Vénus que assentava na observação das alterações da posição deste planeta tão caro aos Maias.

O Tzolkin consistia num “ano curto” de 260 dias divididos por 13 meses de 20 dias, sendo que cada dia era designado pelo nome de um deus (imix, ik, akbal, kan, chicchan, cimi, manik, lamat, muluc, oc, chuen, eb, ben, ix, men, cib, caban, eiznab, cauac e ahau). Este sistema era baseado nos ciclos astronómicos das Plêiades e das Híades e já existia na civilização Zapotec, anterior ao período maia clássico. Os templos da cidade de Teotihucán, por exemplo, estão orientados para o ocaso das Plêiades.

Numa época tardia, ao Tzolkin foi acrescentado um quarto calendário independente do Haab, o Tun-Uc, um ciclo lunar feminino de 28 dias (mês natural) que prefazia 364 dias, uma diferença de 104 dias em relação ao ano Tzolkin. Assim sendo, estes dois calendários só voltavam ao ponto de partida ao fim de 1820 dias, ou seja, 5 Tun-Uc completos (364×5), o que equivale a 7 Tzolkin (260×7). Por estes cálculos, a roda do ano sagrado Tzolkin girava sempre duas vezes a mais para se coordenar com o Tun-Uc.

O Haab, calendário civil agrícola, usado para determinar as alturas do ano mais propícias às sementeiras, consistia em 18 meses de 20 dias, seguidos de um mês de apenas 5 dias chamado Uayeb, o que prefazia um total de 365 dias, um ano solar. Estes últimos 5 dias do ano eram, para os Maias, momentos de terror, uma vez que não era possível saber-se se os deuses dariam início a um novo ano ou se o mundo seria destruído no último instante. Se tudo corresse conforme o desejado, celebrava-se a festa do Fogo Novo, que na época da conquista espanhola calhava a 19 de Novembro. Durante o período clássico, os dias do Haab foram numerados de 0 a 19, em vez de 1 a 20.

Assim, cada dia era indicado de acordo com ambos os calendários, o Tzolkin e o Haab, seguido do nome do deus. Como exemplo, um dia podia designar-se por “3 ahau 18 pop”, sendo que a primeira data corresponde ao Tzolkin e a segunda ao Haab. Deste modo eram necessários quatro termos para indicar um dia, ou seja, um número (de 1 a 13), o nome de um deus (entre 20 nomes), outro número (de 0 a 19) e o nome do mês (entre 18 nomes).

Estes dois sistemas foram combinados para que um ciclo ficasse completo de 52 em 52 anos, o que era conhecido como a “ Volta do Calendário”.

Além do período de 52 anos, era muito mais relevante o seu dobro, o ciclo de 104 anos, já que no final dos três calendários, o Tzolkin, o Haab e o de Vénus (104 anos equivalem a 208 revoluções deste planeta em torno do sol), voltavam os três ao mesmo ponto de partida, à mesma data.

Por outro lado, o calendário de contagem longa ou “Grande Ciclo” teve início, segundo a tradição da Quarta Criação Maia, em Agosto de 3114 a.C. e terminará em Dezembro de 2012.

Esta contagem consistia num Tun de 360 dias. Vinte Tuns perfazem um Katun (7200 dias) e vinte Katun perfazem um Baktun (144000 dias). Treze Baktun formam o “Grande Ciclo” (1872000 dias, perto de 5130 anos). No final de cada Baktun, o mundo passaria por uma mudança profunda. É preciso que se diga que os Maias viam a Terra como ela é, um organismo em permanente mutação que obedece a ciclos de criação e de destruição. Todavia, essa destruição não era encarada da perspectiva material, mas sim da evolução da consciência. A mitologia maia oferece-nos uma visão daquele que terá sido o início da Quarta Criação, ou seja, o mundo conforme ele teria sido em Agosto do ano 3114 a.C., e nele não estão presentes episódios de catástrofe, apenas de reorganização do estatuto dos deuses.

Posto isto, conclui-se que não é fácil apreender este sistema numa primeira abordagem, factor com qual a classe sacerdotal contava para poder controlar o povo e torná-lo submisso aos “desígnios dos deuses”, algo que parece ter voltado a vigorar nos tempos que correm. É incrível como sacerdotes desaparecidos há séculos possam estar ainda a influenciar o nosso pensamento. Actualmente, o calendário maia continua a ser mantido por comunidades religiosas da Guatemala.

Segundo diversos investigadores, existe uma correlação entre a era que findará no solstício de Inverno de 2012 e o calendário juliano, criado a pedido de Júlio César em 45 a.C.. No entanto, há que não esquecer o facto de que este calendário já não corresponde ao actual desde a reforma levada a efeito pelo Papa Gregório XIII em 1582, ano em que o ponto vernal (equinócio da Primavera) seria a 11 de Março e não a 21, isto porque já se verificava um desfasamento de cerca de 10 dias entre o calendário coevo e o movimento real da Terra.

Por último, a prova irrefutável de que o calendário maia não profetiza o fim do mundo, reside numa boda real prevista para o ano de 4772 d. C., o que mais uma vez comprova que os Maias não encaravam o final de um Baktun como uma destruição catastrófica massiva, mas apenas como uma mudança necessária e positiva.

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