quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Nossa Senhora das Candeias (em resposta a um comentário)

Quando falamos em mitologias nada é por acaso. A semelhança existente entre o festival do Imbolc e a festa de Nossa Senhora das Candeias em Mourão, Distrito de Évora, não é de modo algum uma coincidência, mas antes o reflexo de uma origem cultural comum, o indo-europeu, assente num substrato neolítico, o que caracteriza a cultura europeia de um modo geral.
Durante a Idade Média verificou-se uma apropriação por parte do Cristianismo, em particular do Catolicismo, de locais de culto anteriormente pagãos. É usual encontrarmos monumentos megalíticos, afloramentos naturais e nascentes cristianizadas. A incorporação de elementos pagãos na mitologia cristã foi a ferramenta mais utilizada pelos paleocristãos (primeiros cristãos) no combate às velhas religiões. A receita era simples: se não podiam impedir o povo de cultuar os antigos deuses, sinalizavam os seus locais de adoração com emblemas cristãos ou instituíam oragos cujas funções eram análogas às das divindades pagãs suas antecessoras.

Conforme sucede com muitas outras tradições, também o Imbolc parte da observação da Natureza e dos seus ciclos. Na Antiguidade, o Homem explicava a maioria dos fenómenos naturais através de mitos. A religião mistérica de Elêusis, entre os antigos Gregos, socorria-se do mito de Perséfone (Proserpina para os Romanos) para explicar a alternância das estações do ano. Perséfone era filha de Deméter, deusa das colheitas, e de Zeus. Hades, deus do submundo, não resistira à beleza da jovem e decidira raptá-la enquanto esta andava sozinha pelos campos a colher flores. A planície de Ena, na Sicília, é por norma apresentada como cenário para o rapto. Zeus, que inicialmente havia sido conivente com este gesto, compadeceu-se da tristeza de Deméter e propôs a Hades devolver Perséfone à mãe. Contudo, a jovem já havia ingerido uma semente de romã que Hades lhe oferecera, ficando impedida de regressar definitivamente ao mundo dos vivos. O erro cometido por Perséfone parece ser um lugar-comum do imaginário colectivo, que nos alerta para nunca comermos nem bebermos o que quer que nos seja oferecido no “outro mundo”, sob pena de nele ficarmos retidos eternamente. Assim, Perséfone voltaria à terra dos vivos para visitar a mãe, na condição de regressar ao reino dos mortos ao fim de seis meses, repartindo a sua existência entre o Aquém e o Além até ao fim dos tempos. Deméter, feliz por estar de novo na companhia da filha, ainda que por pouco tempo, desabrocha em flor, contagiando os campos com a sua alegria. Durante a restante metade do ano, Perséfone retorna ao submundo do qual foi feita deusa. Nessa altura, Deméter inunda a terra com o seu desgosto.

Metaforicamente, Perséfone remete-nos para a semente que é lançada à terra no Outono, permanecendo na escuridão ctoniana durante todo o Inverno até acudir ao chamamento da luz no início da Primavera.

Este mito ilustra bem o facto de que estas histórias representam muito mais do que simples poesia, elas encerram ensinamentos que só aos Iniciados eram tornados explícitos.

Nossa Senhora das Candeias, Nossa Senhora da Luz, Nossa Senhora da Candelária, a hagionímica varia consoante as terras e os falares, mas há algo que lhes é transversal: a ideia de luz. Sendo o mimetismo uma parte integrante da magia religiosa, o jovem Sol é aqui representado pela chama tímida acesa no Imbolc quando os dias caminham para o equinócio da Primavera e o fotoperíodo aumenta progressivamente até culminar num Sol adulto, numa fogueira exuberante ateada no dia mais longo do ano, a 21 de Junho, no solstício de Verão.

O conceito que subjaz à festa de Nossa Senhora das candeias é, em todo o caso, o mesmo que transformou o Imbolc, em honra da deusa Brighid, em Candlemas (Candelária), em hora de Santa Brígida, um banquete de luz em homenagem ao Sol que trará nova vida à terra.

2 comentários:

Diabba disse...

Bem... miúda... estou fã do teu blog, vou guardar nos favoritos e no fim de semana vou linkar-te no Inferno.

Fiquei cusca... que fazes tu profissionalmente? E se és estudante, que curso estás a tirar??

enxofre

Nanda Costa disse...

Olá, Diabbinha! Já vi que a minha cria ganhou uma fã, e ainda ontem pensava ela que ninguém a lia. Só lhe disse para dar tempo ao tempo. Se tens gostado do qeu escreve, nem sabes a estórias que ela ainda tem para contar!
Beijos, Diabbinha!