sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Teúda e Manteúda, Por Que Não?

E já que falamos de Carnaval, este não parece ser o único produto por nós rotulado de brasileiro e que já era nosso por direito histórico muito antes de Pedro Álvares Cabral ter chegado a Terras de Vera Cruz. Certos vocábulos que sorrateiramente foram tomando conta da nossa Língua, vindos do outro lado do oceano, não se ficam por palavras de origem africana ou ameríndia, antes pelo contrário, por vezes catalogamos como brasileirismos expressões bem portuguesas que, todavia, há muito caíram em desuso. Em abono da verdade se diga que os brasileiros souberam preservar interessantes arcaísmos que agora nos devolvem através dos media.


Não resisto em partilhar convosco esta pérola linguística cujo significado passo a citar:

“Manteúdo: [Brasil] teúdo e ~; sustentado - do lat. manutenutu «seguro na mão».” (Dicionário de Língua Portuguesa, Porto Editora)

Contra a explicação nada tenho a dizer, mas não posso concordar com “Brasil”, muito embora saiba que o célebre romance de Jorge Amado, “Tieta do Agreste”, foi o responsável pela reintrodução desta expressão idiomática no nosso Português, ainda que o tenha feito pela vertente da comédia, o que de algum modo a descaracteriza. Digo “reintrodução”, visto a sua origem ser portuguesa. Para prová-lo, farei aqui uma transcrição abreviada de uma carta régia de perdão, concedida por D. João I a uma moçoila de Tavira que era “tida e mantida” por um padre com o qual vivera amancebada, ou seja, em “pequado mortall”:

“Dom Joham (…) Saúde! Sabede que Philipa Gonçaluez molher solteira e moradora em Tauilla nos enuiou dizer que ela esteuera por manceba teuda e manteuda de hum Afonso Aluarez clereguo de missa morador em dicta uilla (…)” (D. João I - A.N.T.T.)

Julgo que não são necessárias mais palavras para percebermos que muitas vezes importamos do estrangeiro o nosso próprio património.

Esta expressão não é única, muitas mais poderiam ser aqui referidas. É incrível que tais termos saídos dos confins da Idade Média portuguesa possam ter sobrevivido a esse verdadeiro palimpsesto cultural que é o Brasil. O mesmo aplica-se aos padrões culturais que evoluíram desde o Paleolítico Superior Aurignacense de Ocidente para Oriente, regressando mais tarde já sob novas configurações, quando nos locais de origem já se encontrava destruído ou esquecido sob as pedras 'talhadas pela Natureza' e para as quais não temos qualquer explicação. 

Já sobre o famigerado acordo ortográfico, é melhor eu nem me pronunciar. Apenas quero deixar aqui uma pequena nota:

A discussão acerca da ortografia de palavras como “facto” e pacto”, às quais o acordo quer impor a síncope do “c”, transformando-as respectivamente em “fato” e “pato”, é anedótica, nem chega a ser triste! A confusão será instalada na escrita, já que tanto num caso como no outro as palavras não são sequer homófonas entre si, pelo menos no Português de Portugal, como poderão tornar-se homógrafas quando pronunciamos tão acentuadamente o “c”? A grafia evolui com a oralidade, não pode ser imposta por decreto! Qualquer língua viva é permeável à mudança, mas esse é um processo natural e não um assunto que possa ser debatido. Uma língua não pode ser tida como independente dos seus falantes nem manipulada de acordo com os interesses de meia dúzia de políticos. A Língua Portuguesa é de quem a fala! Recuso-me a chamar “pato” a um pacto ou “fato” a um facto, é uma ideia infeliz e de muito mau gosto.

1 comentários:

Diabba disse...

]:-)

As coisas que tu sabes, oh criatura! Hummm tou invejosa, vou ali rogar-te a praga da queda dos dois dentes da frente e já volto.

enxofre